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É um lixo sem limites, senhoras e senhores

CartazDoBandidoDaLuzVermelha

1968 ferve no mundo: é o ano de Barbarella, a heroína intergaláctica e sexy de Roger Vadim, da burguesa Séverine de Bela da Tarde, de One plus One de Godard. O álbum branco dos Beatles é lançado, e é o ano dos hippies, de Hair na Broadway. E, claro, maio de 68 fica marcado como o ano em que os estudantes lutaram por um mundo melhor – ou o que eles consideravam um mundo melhor.
1968 também ferve no Brasil. O AI-5 aperta, a luta armada contra o regime militar encontra seu ápice. Roda Viva é montada no teatro. Beto Rockfeller subverte a linguagem da novela, se afastando totalmente do dramalhão e trazendo o mundo da dramaturgia televisiva para a “vida real”, com uma interpretação naturalista, inclusão de cacos e retrato de um mundo jovem e moderno. Além disso, Rockfeller é um protagonista anti-herói – assim como Macunaíma, no filme de Joaquim Pedro de Andrade. E assim como Jorge, o personagem do segundo filme de Rogério Sganzerla.
Um ano depois do Bandido da Luz Vermelha, personagem dos tablóides, ser preso, Sganzerla decide fazer um filme que tem tudo a ver com hoje – até hoje. 68 ainda não terminou, 40 anos depois? Ele incita o pós-dramático, ele traz uma estética que é inserida no Cinema Marginal mas também o ultrapassa. Em um momento de “consciência política” e “batalhas ideológicas”, ele grita: “quando a gente não tem mais o que fazer… a gente avacalha!”. Ali está o cômico sem ser fácil, e a reflexão sim, sobre jornalismo, sobre o momento histórico, sobre a condição do ser humano, sobre – quem diria – a guerra de classes, oui oui, e sobre… moda!

JoaoAcacioPereiraDaCosta
João Acácio, o verdadeiro Bandido da Luz Vermelha

Rogério Sganzerla tinha apenas 22 anos quando dirigiu Bandido. E ele era bem descoladinho, viu. Tanto que acabou conquistando e amarrando a mais descolada, Helena Ignez, linda, musa, ex de Glauber Rocha. Não é pouco! Esse grau de coolness acabou se transportando para o filme – não apenas na botinha branca Courrèges de Srta. Ignez (vulgo, no filme, Janete Jane), mas no figurino do Bandido.

Ninguém sabe quem é Jorge – e ele também não. Nos seus assaltos, ele não só usa a mulher (não perdoa a família), a cozinha e tudo o que existe na casa do assaltado, mas principalmente vai até o armário. A roupa é uma forma de adquirir uma identidade que ele não tem – a toda hora ele sofre de crises existenciais engraçadíssimas (mas não menos profundas). Ele se veste de maneira bem ousada – à moda da época – e, quando o filme termina (não vou contar o fim, mas é um momento crucial)… repare: ele está inteiro de branco! Identidade perdida – ou encontrada? Acredito que, por todos esses fatores, Bandido é um dos filmes mais importantes no que diz respeito a figurino masculino.

Isaura S/A se inspirou e usou, em seu processo, diversos filmes. Um deles é O bandido da Luz Vermelha. Quem quiser ir: esgotou as quintas, mas agora tem apresentações nas quartas do mês de junho, sem lista. Aparece que vale a pena.
Quem ainda não assistiu ao filme pode alugá-lo ou ver no cinema, hoje, às 17h.


Janeteeee!

Curiosidades:
. Segundo o livro Bordado da fama: uma biografia de Dener, Lenny Dale – homossexual militante que adorava um basfond feito de extravagâncias e frases polêmicas – era amante de ninguém menos que… o Bandido da Luz Vermelha, João Acácio Pereira da Costa.
. O filme participou do quarto Festival de Brasília, em 68. Ganhou prêmio de melhor diretor, montagem, filme… e figurino! No ano seguinte, quem ganhou na categoria Melhor Figurino foi Macunaíma.
. Ivi diz que aquele lenço na cara é Justin e caubói. Pois pra mim é super Bandido da Luz Vermelha. Eu adoro. Originalmente, João Acácio realmente usava um lenço amarrado no rosto e uma lanterna com bocal vermelho – assim como outros bandidos. Cinema marginal rules!
. Diz que João Acácio, assim que foi solto em 1997 (e antes de morrer assassinado, em 98), tinha fixação por usar roupa vermelha. Quando pediam autógrafo para ele, o cara assinava “Autógrafo” no papel. Fala se você não achou mais cool que a Mallory Knox!
. Além de participar de Profissão: Repórter, da Globo, Felipe Gutierrez faz o papel do jornalista que enche o saco de J. B. da Silva, o Rei da Boca. OK, brincadeira, não é o Gutierrez, mas o cara é superparecido, até no jeito de falar! Repara! E sabe quem é o cara? Por essa o nosso Guti não esperava… Ezequiel Neves, aquele do Cazuza. RISOS.

Fotos: as duas primeiras, de João Acácio, são da exposição Imagens de fato: 80 anos da Folha.